Mãos sujas de terra e seus efeitos nas organizações

Guilherme jan 1, 2023

Texto originalmente publicado na plataforma Um Só Planeta

https://umsoplaneta.globo.com/opiniao/colunas-e-blogs/guilherme-bcheche/post/2021/09/maos-sujas-de-terra-e-seus-efeitos-nas-organizacoes.ghtml

Startup portuguesa premiada leva felicidade em forma de natureza até o ambiente organizacional

03/09/2021 08h00

Noocity – Foto: Divulgação/Noocity

Você já imaginou trabalhar em uma empresa em que a natureza esteja presente bem ali, ao seu lado? Já pensou o quanto seria divertido, prazeroso e engajador poder cultivar plantas com seus colegas de trabalho? Pois é… Isso existe.

Uma startup portuguesa premiada está levando felicidade em forma de natureza até o ambiente organizacional. Sabe como? Convidando os funcionários a pôr as mãos na terra para plantar, cuidar e colher juntos. O mais incrível é que, ao fazer isso, os times estão se fortalecendo, aumentando o engajamento e, consequentemente, os resultados.

Vou te contar essa história.

Em 2015, fui convidado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para ser mentor em um programa de aceleração de startups premiadas em Washington, nos Estados Unidos. Lá estavam alguns sócios da Noocity selecionados para o tal programa que tinha como foco soluções para o meio ambiente.

Logo no primeiro contato, curto e intenso, tive o prazer de começar uma longa jornada de amizade e proximidade com essa startup e seu time, que hoje já se espalha por alguns países.

Acompanhei, em alguns momentos mais de perto e, em outros, um pouco à espreita, os avanços da Noocity buscando o seu modelo de negócio e uma forma de levar ao mundo o que acreditava: a relação com a natureza de uma forma simples e possível em áreas urbanas.

De lá pra cá, a Noocity testou e pivotou alguns modelos de negócio até chegar no que hoje se tornou uma alavanca organizacional de cultura, de desenvolvimento de relações mais saudáveis por meio do contato com a natureza.

No modelo atual, a Noocity instala hortas urbanas em áreas obsoletas em empresas, como lajes, canteiros, varandas, criando momentos para que os próprios funcionários sejam os jardineiros. Eles plantam sementes, regam e colhem os tomates, os brócolis, os morangos, as hortaliças…

Hortas no teto das empresas: contato com o verde traz nova dinâmica e frescor. — Foto: Divulgação Noocity

Hortas no teto das empresas: contato com o verde traz nova dinâmica e frescor. — Foto: Divulgação Noocity

O ritual é acompanhado por jardineiros profissionais que monitoram e ensinam sobre os ciclos da natureza, as verduras, os legumes, as frutas da estação, a composição da terra, etc. Enquanto isso, numa dimensão inconsciente, os participantes – do CEO ao estagiário – estão se reconectando com a natureza, desenvolvendo “awareness”, atenção plena, com relação à cadeia produtiva dos alimentos, a relevância da luz, do vento, da água, das abelhas para o sucesso do plantio, aprendendo que é preciso cuidar. Cuidar da natureza, dos outros, de si próprio, para se colher o que foi plantado.

Ao reaprenderem a lidar com a natureza (sim, reaprender porque perdemos a nossa sabedoria de lidar com ela), eles se conectam consigo mesmos, com o corpo, com a satisfação de pôr as mãos na terra. Numa época em que os rituais e as pausas se fazem cada vez mais escassos, esse passou a ser um ritual de conexão, de descontração e de descompressão para que coletiva e individualmente os funcionários possam, por alguns minutos, ter o mesmo job description: o de jardineiros.

Funcionários de empresas como Microsoft, Farfetch, IDEA e CBRE vibram com o broto do tomate que aparece, com a cenoura que sai da terra direto para o prato, com a mordida dada no morango tirado do pé alguns segundos antes. E, ao brindarem à paciência e ao cuidado que tiveram com a colheita, aprendem com a natureza que garantias não existem. Aprendem também que plantar não é sinônimo de colher, que esforço não significa resultado, que a vida como líderes, como profissionais, como seres humanos, é cheia de surpresas – boas e ruins – e o que importa é o que fazemos com elas.

A psicanálise nos ensina que todos nós, independente da cor da pele, da origem, do grau de escolaridade, da idade, do gênero ou de qualquer outra diferença, temos pensamentos, ideias e fantasias que nos impedem de criar relações saudáveis, ter conversas significativas, cultivar cuidados e dar atenção ao corpo e ter entusiasmo com o trabalho assumindo quem somos.

Ao redor de canteiros de hortas, o ritual faz as vezes do divã, colocando todos no mesmo lugar de sujeitos singulares, dando a oportunidade para cada um de deixar surgir os pensamentos, dizer o que lhe vem à cabeça, sentir o corpo e se abrir para caminhos mais satisfatórios no convívio social.

E o que fica, ao final de cada ciclo produtivo, dando frutos ou não, é uma experiência de confiança estabelecida entre times, o sorriso no rosto de alguém que, com as mãos sujas, vibrou com as mudas plantadas e ao ver sementes virarem alimentos. O que fica é uma cultura de compartilhamento, de confiança e de colaboração, sem abrir mão dos resultados.

Fica também a certeza de que a natureza pode ajudar a formar líderes mais humanos, times mais diversos e inovadores. Pessoas mais felizes.

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