Texto originalmente publicado na plataforma Um Só Planeta
02/06/2021 12h25
Na expressão “meio ambiente”, “meio”, no sentido de “metade”, não tem nada. Ele é inteiro.
Recentemente, fiquei pensando sobre o termo “meio ambiente”. Sem buscar a origem da expressão e o porquê de ter surgido, como psicanalista que está geralmente atento às palavras, preferi me ater a elas: “meio” e “ambiente” e me lembrei de Rodrigo*, um paciente que recebo há quase dois anos no consultório de psicanálise, e essa semana começou a sessão dizendo logo de partida:
— Vou me mudar de São Paulo. Estou indo morar na praia!
— Ah, é?, perguntei.
— Sim, preciso estar próximo da natureza. O mar me faz bem, o barulho, as ondas que pego. Minha cabeça já está lá e nada mais me prende à cidade grande depois que o trabalho passou a ser online.
— Nada te prende à São Paulo?, questionei.
— Não. Estava pensando porque não fiz isso antes.
Rodrigo é um empreendedor de pouca idade e grandes realizações. Mesmo sem ainda ter chegado aos 30 anos, já vendeu sua startup para um grupo internacional e se tornou executivo de tal grupo. Desde essa transição, acompanho Rodrigo em seus avanços em direção a si mesmo e às suas questões.
“Lembro-me exatamente da primeira visita dele ao consultório, antes do início da pandemia, quando me disse que já tinha dinheiro suficiente para a vida toda, mas ainda lhe escapava um sentido para ela.”
Seu excesso de trabalho tinha uma compensação: um excesso de namoros, de casos com mulheres. A última namorada tinha partido há anos e, de lá para cá, nada de relacionamentos sérios. Rodrigo tinha medo de amar.
Em quase todas as sessões, Rodrigo falava da praia, do mar, do surf, do contato com a água, do pé na areia, das conversas com os amigos vendo o sol se pôr onde o mar acaba, do balançar dos coqueiros, da possibilidade de acordar cedo e se jogar no mar antes de iniciar sua jornada de trabalho diária de, no mínimo, 10 horas.
Aqui, em São Paulo, não percebo a natureza como lá, na praia. Nasci numa cidade de praia, não posso ficar sem ela, continuou me contando.
Permaneci em silêncio, permitindo que ele falasse mais.
— E percebi, com as últimas idas frequentes à praia, que isso me faz bem, me acalma, me conecta com o que acho que tenho de melhor.
A sessão continuou. Eu, praticamente em silêncio. Rodrigo buscando palavras para justificar uma decisão que parecia já ter tomado. Até que ele conta uma novidade:
— Tomei essa decisão com minha namorada. A Vanessa também está trabalhando online e decidimos ir juntos. Vamos alugar uma casa e ficar pelo menos por um ano. Quiçá rodar outras praias de carro, desde que tenha boa internet.
— Então o relacionamento está sério…, falei.
— Acho que temos muito em comum e estou conseguindo estar com ela de uma forma diferente: aprendo muito com ela e não fico pensando tanto no que vai acontecer no futuro.
Continuei em silêncio.
— Preciso estar próximo do meio ambiente, da natureza, ele continuou.
— Meio ambiente?, perguntei.
— É, meio ambiente.
E encerrei a sessão.
Na expressão “meio ambiente”, “meio”, no sentido de “metade”, não tem nada. Ele é inteiro. Esse “meio” está muito mais relacionado a um “caminho”, um meio através do qual se chega em algum lugar. E esse lugar não poderia ser outro senão a natureza, o ambiente. E aí consegui entender, através de uma análise lógica, que o meio é um caminho através do qual se pode acessar um ambiente.
No caso de Rodrigo, esse ambiente não é só o mar, a areia, o pôr do sol, mas ele próprio.
Só foi possível se conectar consigo mesmo, com sua história, com seus sonhos através da natureza. Para Rodrigo, só o mar, o contato com a água salgada, revolta, com ondas, é capaz de dar um sentido à sua vida, para muito além do dinheiro. Mar é lar, é a possibilidade de amar, é ser si próprio e poder surfar as ondas da vida em direção ao meio ambiente a que cada um pertence.
*nome fictício e informações adaptadas para preservar a identidade do paciente.
— Foto: Karl-Muscat