Natureza como terapia

Guilherme jan 1, 2024

Não é à toa que nos refugiamos em santuários naturais quando queremos descansar, seja o final de semana na praia, as férias em reservas ecológicas, as longas caminhadas ou viagens de bicicleta pelas montanhas

Imagem: Matheus Chiaratti, Ulisses (Os Jardins de Pau Lavrado), 2022. — Foto: Bruno Leão / cortesia do artista e Quadra.

Numa viagem de férias de final de ano, peguei para ler a revista da companhia aérea que há algum tempo não circulava edições físicas. Apesar da consciência ambiental, gosto do papel, do toque, do riscar com a lapiseira, do guardar para ver depois. Pra mim, revistas precisam ser físicas para eu conseguir ler. Assim como os livros, os jornais, os artigos científicos. Foi essa oportunidade de voltar a folhear a revista que me levou a lê-la.

Curiosamente, a reportagem que mais me interessou intitulava-se “Será só preguiça mesmo?” e discute o fato de que “o transtorno de ansiedade social é mais comum do que se imagina e acomete 13% dos brasileiros”.

À medida em que lia a reportagem, comecei a fazer perguntas mentais como:

⁃ “será que estou dentro desses 13% que essa estatística mostra?”;

⁃ “como chegaram a essa porcentagem tão alta que representa quase 30 milhões de pessoas?”;

⁃ “podemos afirmar que toda essa gente está patologicamente ansiosa como a reportagem defende?”

Como psicanalista, comecei a questionar aquilo que coloca muitos em um balaio só. Isso, para a psicanálise, é um absurdo como dizer que 1+1=7. Antes e ao contrário de qualquer estatística, a psicanálise acredita e se apoia no sujeito do inconsciente, um a um, para entender o que um sintoma psíquico quer dizer para um determinado indivíduo.

Nessa mesma reportagem que lia, há uma referência de que “o Brasil já foi declarado o país mais ansioso do mundo, segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde: 68% de sua população entre 15 e 64 anos sofrem de algum transtorno de ansiedade e depressão.”

Se formos nos apoiar nesses dados, somos um país doente, muito doente.

A partir dessa leitura, tenho 2 propostas a fazer para olharmos para a ansiedade e pensarmos em como podemos interpretá-la.

A primeira é a que possamos questionar estatísticas quando se trata de questões tão subjetivas como o sentimento de ansiedade, mesmo porque há uma ansiedade necessária e frutífera que nos impulsiona em direção ao desejo.

Sentir-se ansioso, por muito tempo, pode querer dizer muitas coisas, inclusive a necessidade de sair do lugar subjetivo onde se está, de se movimentar, de construir um novo saber sobre si mesmo. É, claramente, uma manifestação física e corporal – taquicardia, nó na garganta, pensamentos invasivos e persecutórios, insônia… – de algo que precisa ser elaborado. O que acontece, muitas vezes, é que, ao primeiro sinal de ansiedade, lá se vai ao médico procurar o remédio para voltar ao estado inicial. Ansiedade controlada, o sujeito volta ao seu estado conhecido, sejam horas conectado a mídias sociais, sejam práticas de compulsão sexual ou alimentar, e por ai vai. Sustentar a ansiedade, ao contrário, dá trabalho. Trabalho de olhar pra dentro, de se conhecer, entendendo o que pode parecer que está fazendo bem, mas que, na realidade, faz um mal danado. Isso exige ter que olhar pra si e se deparar com aquilo que não é tão agradável. O fato é que não há uma resposta “one fits all”, que sirva para todos. Isso é o que o remédio faz quando é usado isoladamente. Meses ou anos mais tarde, a dose precisa ser revista, o medicamento alterado porque não faz mais efeito.

Não me entendam mal. Não estou demonizando remédios psiquiátricos. Eu mesmo já os usei. E acredito que em muitos casos são necessários. O que estou discutindo aqui é a distância entre como um sujeito lida com sua ansiedade e o que espera como resultado para sua vida. Não adianta esperar grandes mudanças daquilo que não faz mais sentido – um emprego, uma relação amorosa, ou a falta deles – a partir de um anestesiamento dos conflitos internos (leia-se ansiedade como sintoma) a qualquer custo.

Isso é o que observo todos os dias no consultório. A ansiedade precisa ser interpretada, entendida, transformada. Mesmo aquela que nos paralisa e não nos permite sair de casa, levantar da cama – e que muitas vezes só dão sinais de mudança à base de remédios – também está nos comunicando algo que deveríamos parar para perceber e transformar.

A segunda proposta que tenho a fazer é que, a partir dos dados apresentados que retratam uma situação tão grave quanto essa, possamos nos questionar, individualmente, sobre o que interfere na nossa ansiedade e como podemos tratá-la.

Sem querer generalizar o que deve ser tratado caso a caso, o que percebo nos atendimentos individuais são manifestações de ansiedade provocados por:

⁃ uso descontrolado de mídias sociais e aplicativos de relacionamento;

⁃ situações profissionais em que houve abuso de qualquer natureza;

⁃ a necessidade de se sentir produtivo e com alta performance permanentemente;

⁃ pressão descontrolada com relação a prazos que a natureza (inclusive do próprio corpo) desconhece;

⁃ o medo de se tornar irrelevante profissionalmente (uma demissão, por exemplo) ou pessoalmente (ex. a saída dos filhos de casa sem o planejamento de como seria a vida sem eles para cuidar todos os dias);

⁃ e a lista continua…

O fato é que temos motivo de sobra para ficarmos ansiosos. E como discutido anteriormente, nem toda ansiedade é maléfica.

Muitas vezes é dela que precisamos para o empurrãozinho necessário. Mas não é dessa que estamos falando agora, mas da que paralisa, ataca, interfere negativamente na nossa saúde, nas nossas relações, na nossa capacidade criativa ou na nossa relação com a gente mesmo.

É aqui que entra o meio ambiente. A natureza é uma grande aliada da saúde. Não só como fonte de matérias primas para os remédios que tomamos quando estamos ansiosos ou de alimentação de qualidade, mas como no ambiente que nos recebe, nos acolhe, nos faz refletir, nos acalma, nos faz relativizar a nossa importância e, portanto, o nosso sofrimento.

Não é à toa que nos refugiamos em santuários naturais quando queremos descansar. Seja o final de semana na praia, as férias em reservas ecológicas, as longas caminhadas ou viagens de bicicleta pelas montanhas.

A ansiedade, por definição, pode ser entendida como uma relação desajustada com o tempo. Nos sentimos ansiosos quando queremos diminuir, parar ou aumentar a velocidade em que as coisas acontecem. E a natureza nos entrega, gratuitamente, a oportunidade de ajustar essa relação.

A tecnologia nos trouxe inúmeros benefícios como o simples poder de escrever esse texto on-line sem precisar passá-lo a limpo. Mas também nos trouxe a ilusão de que tudo pode ter a sua velocidade. Aí é que nos enganamos. Somos tecnologia mas também somos natureza. Nossa cabeça aparentemente acompanha e se adapta aos estímulos tecnológicos, mas nosso corpo segue funcionando como há 10 mil anos atrás.

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